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25 de novembro de 2010

Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime

Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime
Nós que sabemos que o “inimigo é outro”, na expressão padilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mídia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vem se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias, fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolítica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos 5 anos.
De um lado Milícias, aliadas a uma das facções criminosas, do outro a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.
Exemplifico. Em Vigário Geral a polícia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há 4 anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o líder da facção hegemônica foi assassinado pela Milícia. Hoje, a Milícia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.
Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milícias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluíram na listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de “segurança”.
Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.
Estes acordos passam por miríades de variáveis: grupos políticos hegemônicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparado que ocupa militarmente, etc.
Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Sadan Husein, e depois, viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?
Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolítico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da Zona Sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as Olimpíadas.
Justificar massacres, como o de 2007, nas vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, a existência de várias execuções sumárias é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.
Ônibus e carros queimados, com pouquíssimas vítimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolítico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das Milícias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.
Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual política de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e área pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as Olimpíadas? Quem está por trás da produção midiática, suportando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da Zona Sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses suportando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo, que nos esquecemos que sua única finalidade é a hegemonia do mercado do crime no Rio de Janeiro?
Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomínios seguros nos Portos Maravilha da cidade.
Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos níveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão e o Bope passarem.
* José Cláudio Souza Alves e sociólogo, Pró-reitor de Extensão da UFRRJ e autor do livro: Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense.

16 de fevereiro de 2010

O estresse chegou ao sertão ?


Estamos incorporando de tal forma o ritmo do mundo ultramoderno que fazemos tudo com superficialidade, sejam as tarefas mais corriqueiras ou as mais profundas desta vida. Estudamos, conseguimos até ser aprovados; mas, pouco aprendemos. Oramos, temos até muitos compromissos religiosos; mas, pouco nos aprofundamos na experiência com Deus. Se não é assim, como explicar o fato de sermos ao mesmo tempo pessoas tão religiosas e às vezes tão egoístas e insensíveis frente à realidade dos pobres? São pobres de bens e pobres de atenção. Não lhes garantimos o pão cotidiano e muito menos uma palavra, um minuto de presença solidária, a eles que são os excluídos do sistema. Estamos por demais ocupados para refletir sobre esta urgente questão.
Há movimentos eclesiais cujos membros efetuam visitas missionárias que costumam ser muito válidas, mas este tipo de iniciativa não pode ficar restrito às atividades meramente religiosas que às vezes tendem ao proselitismo.
Já não temos tempo para os outros nem para nós mesmos, de maneira ideal. Pensamentos se sucedem na velocidade dos desejos instigados pela mídia. O que não está no filme, o que não é visto pela tevê nem se acha implícito na letra das músicas vulgares parece antiquado, démodé. Então, segue-se a busca imprudente da felicidade, que não raro termina em estresse e depressão.
Com isso, não pretendo negar a importância genuína do prazer nem vou esperar por uma geração de jovens beatos, como sonham alguns líderes conservadores que pronunciam sermões caducos em nossas igrejas modernas. Às vezes são, inclusive, jovens padres que falam como velhos conservadores. A intenção é boa, mas a eficácia do método é duvidosa.
Parece-me mais proveitoso ajudar as pessoas a integrar suas dimensões afetivas, religiosas e profissionais. Para tanto, é oportuno contar com psicólogos, educadores e artistas, mas principalmente com o próprio indivíduo. Enquanto não houver um reconhecimento íntimo de que estamos trilhando um caminho certo para o estresse, não vamos conseguir melhorar nem fazer melhor também a sociedade.
Tanta ansiedade por fazer e por vencer profissionalmente, afetivamente, traz os nervos à flor da pele, gera medo vago, que pode desembocar em distúrbio do pânico, um pânico que já se faz coletivo, até nestas cidades encravadas naquilo que um dia se chamou de sertão.
O sertão modernizou-se. Recebe os sinais das parabólicas e das antenas de internet, gigabytes de muita pressa, de modismos e pouco tempo dedicado à educação, inclusive à educação dos próprios hábitos. Mas, quem de nós estará imune às novidades boas e ruins de nosso século?
O estresse deve ser individualmente considerado, remoído, orado no silêncio de nosso quarto, e coletivamente discutido para que as pessoas não se tornem escravas de um estilo de vida que traz em uma das mãos o encantamento tecnológico e na outra a aflição da saúde física e mental ameaçada pela pressa, pelo julgamento superficial das coisas e das outras pessoas.
Não  é assim que temos atravessado nossas existências? Pouca leitura, meditação quase nula, roupas apertadas e contas a pagar e mais aquela comum ilusão de que os anos já não passam devagar, como acontecia em nossa infância. "Viu como esta semana passou voando?" É o que todos dizem. Nada disso!
É verdade. O planeta está ameaçado, mas ainda não foi alterado o curso do tempo, a não ser dentro de cada um. Portanto, compete a cada um cuidar dos próprios pensamentos; controlar melhor o próprio tempo, conforme já observou Pe. Roque Schneider. Segundo ele, o tempo é como uma mala. Bem arrumada, cabe mais. Um "mais" que bem pode ser "menos", na medida em que escolhemos o que é realmente importante e desprezamos o que é superficial para a jornada. Este é um cuidado que hoje se faz necessário, até mesmo aqui, no sertão.
José Avelange Oliveira é Animador da Fraternidade Ecumênica Sal & Luz, licenciado em Letras (Univ. Estadual da Bahia), com qualificação em Psicologia Social (Univ. Aberta do Brasil) e em Teologia (Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana)