Milhares
festejam nas ruas a vitória de François Hollande
Imensa, coletiva, assombrosamente
jovem e liberadora, como uma lufada de um perfume renovador, como o fim de um
pesadelo, barulhenta e comovedora até às tripas: a alegria que explodiu nesta
noite de domingo em Paris, após a confirmação da vitória do socialista François
Hollande, é indescritível. As pessoas cantam e dançam na Praça da Bastilha,
correm pelas ruas com bandeiras francesas, garrafas de Champagne, retratos de
Hollande e rosas na mão. Esta explosão coletiva tem o nome mais humano que se
conhece: esperança. Sarkozy deixou atrás de si um país agredido. O artigo é de
Eduardo Febbro, direto de Paris.
Eduardo Febbro - De Paris
Paris - 31 rosas depois e uma frase que marca um rumo:
“a austeridade não pode ser mais uma fatalidade na Europa”. Três décadas e um
ano separam a vitória do socialista François Miterrand à presidência da
República (maio de 1981) do triunfo eleitoral obtido neste domingo por François
Hollande por 51,70% contra 48,30% dos votos. O modelo mais refinado do
anti-herói derrotou nas urnas a versão mais xenófoba e ultrajante do
liberalismo europeu: Nicolas Sarkozy ficou sem o grande sonho de revalidar seu
mandato ao cabo de uma década no poder na qual seus cinco anos de presidência
ficaram marcados pela panóplia de seus excessos, as promessas não cumpridas, as
reformas pela metade, o desemprego, o desmonte do Estado de Bem-estar, o
personalismo às últimas consequências, a arrogância e a violência racial com a
qual, de uma forma ou de outra, tratou os estrangeiros.
A França encerrou uma fase na noite deste domingo e
resgatou do frondoso bosque liberal a socialdemocracia europeia. Paris treme
com os buzinaços e os gritos e cantos de alegria que cobrem a Praça da
Bastilha. “Sarkozy terminou”, “a França Forte é a França de Esquerda”, gritava à
noite a numerosa juventude que se reuniu na sede parisiense do Partido
Socialista, na rua Solferino. A grande maioria desses jovens só conheceu até
hoje a ação política dos governos conservadores e a fulgurante agressividade de
Nicolas Sarkozy. Agora estão diante de uma nova perspectiva: “a mudança começa
agora”, disse o presidente eleito no primeiro discurso que pronunciou desde
Tulle (na região de Corrèze, centro sul do país), cidade da qual foi prefeito.
Pela mão de um homem discreto, sem a mais longínqua
sombra de suntuosidade, que jamais ocupou um cargo ministerial e por quem, há
um ano, nem seus mais fieis partidários apostavam as fichas como presidente da
República, o socialismo francês regressa ao poder 17 anos depois da última
vitória de François Miterrand (1988). O triunfo de Hollande é o resultado de
uma construção pessoal que se plasmou logo depois de ter passado 11 anos como
primeiro secretário do PS e outros dois elaborando a plataforma com a qual, no
ano passado e em meio ao marasmo provocado pela queda do ex-diretor geral do
FMI, Dominique Strauss-Kahn (o candidato socialista até então campeão nas
pesquisas). François Hollande saiu do nada. “Hollande? Não, impossível, é uma
piada”, diziam seus opositores de direita e alguns elefantes do Partido
Socialista. Ele os derrotou.
Logo depois de ser eleito em 2007, Nicolas Sarkozy
havia dito que ao final de seu mandato queria ser julgado por duas variáveis: a
taxa de desemprego e a redução da pobreza. O julgamento veio das urnas: há um
milhão a mais de desempregados e vários milhões de pobres. François Hollande
pediu à história outro julgamento, o dos “compromissos maiores, com a juventude
e a justiça”.
O presidente eleito disse domingo à noite que cada
uma de suas “decisões se baseará em dois critérios: por acaso é justo e
beneficia verdadeiramente a juventude?” A vitória do socialista francês tem,
além disso, outra conotação: sua chegada ao poder rompe a cúpula hegemônica que
governou a Europa nos últimos anos e que ficou conhecida como Merkozy. A dupla
composta pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo presidente Nicolas Sarkozy
impôs a Europa uma única via: a austeridade sem crescimento como método e
disciplina. Até que François Hollande chegasse com sua candidatura, fora dos
ajustes e da restrição dos gastos não havia outro caminho. A vida era isso ou
nada. François Hollande foi o primeiro dirigente da UE que levantou outra
bandeira e rechaçou a bíblia do rigor fiscal sem crescimento. Isso valeu a ele
a afronta de um acordo secreto pactuado entre Merkel, o primeiro ministro
britânico, David Cameron, o presidente do Conselho Italiano, Mario Monti, e o
presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, para não receber Hollande. Há
dois meses, fecharam-lhe as portas. Agora, deverão colocar o tapete vermelho.
A margem da vitória de François Hollande foi mais
estreita que a anunciada pelas pesquisas. Mas isso não diminui o denso golpe da
história. A direita francesa protagonizou durante a campanha eleitoral, em
particular durante as duas últimas semanas, uma desesperada corrida na direção
da extrema-direita: fronteiras, imigração, segurança, violento discurso contra
os meios de comunicação e uma vasta verborragia ultradireitista ocuparam os
longos discursos de Sarkozy. Até o último momento, o atual presidente defendeu
uma França ameaçada pelo mundo, pelos intercâmbios comerciais desequilibrados,
os fluxos migratórios, os sindicalistas e os muçulmanos.
O conceito de “fronteira” foi para Sarkozy o
antídoto contra essa massa tóxica que era o resto do planeta. À noite, no
discurso que pronunciou logo após a divulgação dos resultados, Sarkozy disse:
“não consegui convencer a maioria dos franceses. Assumo a responsabilidade pela
derrota”. A extrema-direita com a qual tanto flertou o espera agora na primeira
emboscada para esmigalhar o partido UMP e converter-se na força dominante da
direita. Os conservadores têm dois inimigos em seu caminho: as eleições
legislativas de 10 e 17 de junho e a extrema-direita da Frente Nacional. O
enfoque moderado de François Hollande quebrou a contundente aposta
ultradireitista e populista do presidente. Com ela, Nicolas Sarkozy pensou
sepultar a impopularidade que o perseguia (60%) e o evidente fracasso de sua
gestão. O sussurro socialdemocrata do presidente eleito tapou a fúria liberal.
Sarkozy perdeu, como em toda disputa eleitoral, mas perdeu sem honra.
Imensa, coletiva, assombrosamente jovem e
liberadora, como uma lufada de um perfume renovador, como o fim de um pesadelo,
barulhenta e comovedora até às tripas: a alegria que explodiu nesta noite de
domingo em Paris é indescritível. Agora mesmo, quando ainda se sente o tremor
da história que traga o que quase já não está mais aí, as pessoas cantam e
dançam na Praça da Bastilha, correm pelas ruas com bandeiras francesas,
garrafas de Champagne, retratos de François Hollande e rosas na mão. Esta
explosão coletiva tem o nome mais humano que se conhece: esperança. Sarkozy
deixa atrás de si um país agredido: “demasiadas fraturas, demasiadas feridas,
demasiados cortes separaram nossos concidadãos entre si. Isso acabou. O
primeiro dever de um presidente é unir”, disse Hollande em seu discurso. Suas
palavras já foram plasmadas no seio da esquerda, e isso o conduziu ao poder
presidencial: uniu as correntes socialistas, atraiu os votos dos ecologistas e,
sobretudo, agrupou em torno de sua a leal esquerda radical liderada por
Jean-Luc Mélenchon na Frente de Esquerda. Quando François Hollande terminou seu
discurso , uma mulher que estava na Praça da Bastilha, tinha os olhos cheios de
lágrimas. Só conseguiu dizer: “Quando o escuto, tenho a impressão de voltar a
minha casa. Este é o meu país”.
Tradução: Katarina Peixoto
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